Presente nota se insere no debate que envolve o Projeto de Lei Complementar nº 112/2021, que trata do novo Código Eleitoral. O texto aprovado no Congresso Nacional é fruto do Grupo de Trabalho da Reforma Eleitoral, criado no âmbito da Câmara dos Deputados, e tem como coordenador o Deputado Jonathan de Jesus (Republicanos/RR) e como relatora a Deputada Margarete Coelho (PP/PI).
Em vários cenários, as inovações consubstanciam aspectos da representação democrática, de modo a majorar a participação direta do povo nas tomadas de decisão. Ganha destaque, nesse contexto, a autonomia pública do cidadão como corolário do exercício da soberania popular, ao mesmo tempo em que se potencializam direitos fundamentais inerentes ao poder de decisão de cada indivíduo.
Contudo, apesar dos nítidos avanços, um dispositivo presente no projeto de lei causa preocupação a essa entidade de classe: o art. 181, § 9º, estabelece que são inelegíveis, para qualquer cargo, os servidores integrantes das guardas municipais, das Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, bem como os das Polícias Civis que não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções até 4 (quatro) anos anteriores ao pleito.
Trata-se de um dispositivo sem atual correspondência na legislação vigente, o qual impõe uma quarentena de 4 (quatro) anos para as forças de segurança. Essa previsão, do modo como redigida, inviabiliza o direito político de “ser votado” para policiais civis e, via de consequência, suprime o mencionado direito de tal categoria.
Observe que a imposição legal de uma quarentena de 4 (quatro) anos obriga o servidor policial a se afastar do cargo, sua fonte de renda e sustento, para tentar um pleito sem qualquer tipo de garantia de vitória. Existe uma nítida violação do direito fundamental ao trabalho.
Do mesmo modo que a Constituição Federal garante o acesso ao cargo público, o exercício de tal cargo deve se dar de modo compatível com outros direitos fundamentais, como o direito de votar e ser votado (direitos políticos ativos e passivos).
Tal cenário é extremamente crítico, tamanha a incompatibilidade entre os direitos mencionados em razão da nova normativa, na medida em que, se não eleito, o policial civil ficará sem o cargo policial e sem o cargo político. A inelegibilidade de 4 (quatro) anos, nesse contexto, apresenta-se como uma verdadeira “punição” para o policial civil por tentar exercer seus direitos políticos constitucionais, no caso, o direito de ser votado.
Resta patente, portanto, a inconstitucionalidade de tal inovação legislativa. A título comparativo, nem em relação aos Policiais Militares é imposta tamanha restrição, consoante a Lei nº 4902/65. Os Policiais Militares ficam afastados temporariamente, sem comprometer o seu sustento ou o de sua família, e sem que isso ocasione a perda do cargo público para o qual prestou concurso.
A inatividade enquanto Policial Militar somente ocorre se eleito para o cargo público ao qual se candidatou, existindo, neste contexto, uma compatibilidade mínima entre seus direitos políticos e o direito ao trabalho.
É de se observar que a Constituição Federal não estabelece qualquer tipo de restrição ou vedação para a condição de elegibilidade de policiais civis – servidores públicos civis em sentido estrito.
É por isso que, constitucionalmente, os policiais civis não podem ser equiparados aos membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, inciso II, alínea “e”, da Constituição Federal) e do Poder Judiciário (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal) no que diz respeito à imposição de tamanha restrição para elegibilidade, já que é o próprio texto constitucional que impõe a restrição a tais carreiras, situação inexistente, repita-se, em relação aos policiais civis.
Ao contrário, a participação de policiais civis nas eleições gera um valor agregado eleitoral, pois eles contribuem para a diversidade e o pluralismo de ideias ao possibilitar que temas inerentes à segurança pública sejam debatidos diretamente por aqueles que vivenciam a segurança pública.
Trata-se de uma percepção distinta sobre a gestão e a gerência da coisa pública, com ponto de vista que potencializa o olhar democrático que se busca com o novo texto do Código Eleitoral à luz do sistema constitucional vigente. Diante de tudo o que foi exposto, a ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL – ADEPOL DO BRASIL –, o SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO – SINDPESP – e o SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – SINDPF/SP entendem ser o mencionado dispositivo inviável dentro de um cenário democrático e plural, na medida em que existe uma nítida incompatibilidade o acesso e o exercício de um cargo público, direitos esses que são constitucionalmente garantidos, sem contar que o prazo de 4 anos se apresenta irrazoável e desproporcional àquilo que busca alcançar.
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