O Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil, o CONCPC, acaba de divulgar NOTA à Imprensa a respeito da Resolução do Tribunal de Justiça Militar, que permitiu aos policiais militares apreenderem objetos nas cenas de crimes de homicídios dolosos contra civis, praticados por militares ou pelos próprios policiais. Leia a íntegra.
NOTA
O CONSELHO NACIONAL DOS CHEFES DE POLİCIA – CONCPC, entidade que congrega dirigentes da Policia Civil dos Estados e do Distrito Federal, vem a público, pela unanimidade de seus integrantes, manifestar seu REPÚDIO à Resolução n° 54, de 18 de agosto de 2017, do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, que determina aos Oficiais da Policia Militar incumbidos de atividade de policia judiciária militar que apreendam “os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com a apuração dos crimes militares definidos em Iei, quando dolosos contra a vida de civil” (art. 1°), que requisitem as “pericias e exames necessários ao complemento da apuração” dos mesmos crimes (art. 2°) e determinem que o “objeto ou instrumento” do crime acompanhe o procedimento investigatório militar, o qual, sempre, deverá ser encaminhado a Justiça Militar (arts. 3° e 4°).
Desde 1996, соm as alterações introduzidas pela Lei Federal 9.299, de 7 de agosto daquele ano, a investigação dos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil competem à Justiça Comum (cfe. art. 9°, Il, “c” e parágrafo único, do Código Penal Militar e art. 82. “caput” e § 2° do Código de Processo Penal Militar). A alteração legislativa buscou adaptar as normas da justiça castrense à ordem constitucional instituída no país com a Constituição de 1988, cujo art. 5°, XXXVIII, estabelece a regra da soberania do júri popular para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Para que não houvesse dúvida sobre tal vontade da Carta Maior, a Emenda Constitucional 45, de 2004, alterou o § 4° do art. 125 do Texto para explicitar que a Justiça Militar Estadual não tem competência para julgar crimes de competência do júri, quando a vitima for civil.
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ deixa evidente, em seu portal na Internet, que à justiça castrense compete “julgar crimes militares cometidos contra civis (com exceção dos dolosos contra a vida, cuja competência é do júri) e as ações judiciais contra atos disciplinares militares” (http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79256-o-que-fazem-a-justica-eleitoral-e-a-justica-militar).
Portanto, a Justiça Militar paulista não poderia atropelar lei ordinária e, sobretudo, a norma constitucional para ordenar que as investigações de crimes contra a vida praticados por militares sejam feitas por meio de inquéritos policiais militares, determinando, mais, que tais inquéritos sejam encaminhados à Justiça Militar. Se o julgamento compete à Justiça Comum, temos, como corolário, que a investigação deva ser realizada pela policia judiciária civil. Em outras palavras: se o julgamento não pode se operar pela justiça castrense, tampouco a investigação pode ser feita pela policia judiciária que a serve. Afinal, como já escrevia Rui Barbosa em 1885, “acima do direito formal, da Iegalidade estrita, existe um direito, mais positivo do que esse, porque é, a um tempo, mais legítimo e mais forte: o direito que resulta do desenvolvimento humano.” (Obras completas, v. 12, t. 1, p. 35). Faz parte da evolução do sistema político brasileiro, sobretudo após a abertura política coroada com a Constituição de 1988, restringir a atuação da Justiça Militar — tão pródiga em julgamentos nos anos que a antecederam — aos crimes militares próprios, excluindo-se expressamente os crimes dolosos contra a vida. A sociedade tem esse direito.
É inconcebível que o Estado Democrático de Direito permaneça incólume se admitirmos tal nível de afronta à ordem constitucional vigente.
ERIC SEBA DE CASTRO
Presidente do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil – CONCPC
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