Carta de Pirenópolis traz novos enunciados sobre segurança pública

Por Adriano Sousa Costa, Eduardo Fontes e Henrique Hoffmann


Eventos científicos podem ser vistos como verdadeiras feiras cognitivas, lugares onde são apresentados e construídos produtos intelectivos [1]. A participação em congressos colabora para o desenvolvimento do pensamento crítico do pesquisador, o qual envolve a “capacidade de analisar ideias ou factos de forma objetiva, racional e lógica, de forma a deduzir respostas ou soluções racionais” [2].

Sendo a segurança pública um dos interesses fundamentais de qualquer nação, naturalmente seu estudo se reveste de inegável importância. E foi nesse sentido que foi realizado no dia 30 de abril de 2022, na cidade de Pirenópolis (GO), o 1º Congresso Jurídico Nacional do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Goiás.

O evento contou participação de congressistas e de professores de todo o país: Gabriel Habib (advogado e ex-defensor público federal), Nestor Távora (advogado e ex-defensor público estadual), Fábio Roque (juiz federal), Ivana David (desembargadora estadual), Henrique Hoffmann (delegado de polícia estadual), Adriano Costa (delegado de polícia estadual) e Eduardo Fontes (delegado de polícia federal). Além de exercerem variados papeis no sistema de justiça criminal, os professores são autores de literatura específica na área, a saber, o livro “Segurança Pública” [3].

No prefácio dessa obra, Samira Bueno (Doutora pela FGV e Diretora-Executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) registrou a importância de estudos propositivos e que abordem o tema não exclusivamente com base no Direito, mas também da Ciência Política:

“‘Segurança Pública: modelos e evolução’ é um livro que chega em boa hora para operadores e pesquisadores do tema. A partir de uma abordagem institucional, ainda pouco explorada nos estudos do sistema de segurança e justiça criminal, seus vários capítulos nos trazem um panorama da arquitetura institucional da segurança pública no país e nos convidam a refletir sobre a dificuldade de se separar polícia e política na determinação das políticas de segurança pública no Brasil e na dificuldade de se pensar estratégias de prevenção e enfrentamento do medo, do crime e da violência como um direito social universal para toda a população brasileira.”

Os debates foram tão profícuos que foi possível, valendo-se de discussões com bastante profundidade acadêmica (verticalidade cognitiva que se espera de um evento de nível nacional), editar uma série de enunciados que materializam a visão desses estudiosos acerca da segurança pública no Brasil.

São eles:

Primeiro enunciado: o Brasil adota o Sistema de Ciclo Completo da Persecução Penal, no qual as corporações de Segurança Pública e de Persecução Penal participam do mesmo conjunto de engrenagens, sendo as atribuições e as competências delimitados na Constituição Federal. Por isso, o (in)sucesso do Sistema é alcançado sempre coletivamente.

Segundo enunciado: o desvio das funções e das vocações constitucionais impacta na efetividade do Sistema de Segurança Pública e Persecução Penal como um todo.

Terceiro enunciado: um conjunto de falhas alheias à apuração criminal, como aquelas observadas na função preventivo-ostensiva, na tutela penal, na garantia da ordem pública e no sistema acusatório, afeta negativamente a taxa de eficácia das Polícias Judiciárias e dos demais indexadores da persecução penal.

Quarto enunciado: é imperativo buscar a valorização dos policiais, sejam civis ou militares, desde que por mecanismos que não subvertam as regras constitucionais e legais, inclusive a do concurso público universalizado.

Quinto enunciado: a construção de índices reais de resolutibilidade de crimes pelas Polícias Judiciárias é essencial, sendo necessário dar idêntica ênfase na quantidade de infrações ocorridas e, portanto, não evitadas.

Sexto enunciado: é necessário buscar o aperfeiçoamento do atual Sistema de Segurança Pública e de Persecução Penal através de medidas de reforço às vocações constitucionais originais.

Sétimo enunciado: há que se reconhecer a insuficiente justificativa dos projetos de alteração do Sistema de Segurança e de Persecução Penal brasileiro, principalmente no que tange à ausência de menção aos seus possíveis efeitos deletérios, aos seus custos orçamentários e, por fim, pela falta de indicação de países-paradigmas com realidades sociais mais próximas da brasileira (México, África do Sul etc.).

Oitavo enunciado: é fundamental destacar que o sucesso da investigação policial não se dá apenas pelo fornecimento de elementos e de provas para a futura ação penal, mas também pela produção de elementos defensivos, já que o Inquérito Policial é instrumento imparcial de busca da verdade.

Nono enunciado: o delegado de polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da Justiça a persecução criminal, sendo a investigação uma ferramenta onde a dialética deve ser assegurada para a preservação dos direitos e garantias fundamentais.

As asserções vieram em boa hora. Afinal, quem quer ser realista e ter uma visão mais ampla e mais exata do Direito, haverá de reconhecer que a doutrina constitui uma fonte muito importante e viva do mesmo, ainda que mediata [4]. E é justamente esse enfoque dogmático, por intermédio da razão jurídica, que possibilita tomada de decisões e a orientação de ações [5].


[1] SPIESS, Maiko Rafael; MATTEDI, Marcos Antonio. Eventos científicos: da Pirâmide Reputacional aos círculos persuasivos. Revista Sociedade e Estado, v. 35, nº 2, mai.-ago. 2020, p. 441-471.

 

[2] BARREIRO, María Piedad Rivadeneira. Et al. El pensamiento crítico y su evaluación en la educación universitária. Research, Society and Development, v. 10, nº 3, 2021.

 

[3] FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique, COSTA, Adriano Sousa. TÁVORA, Nestor; HABIB, Gabriel; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ARAÚJO, Fábio Roque; MASSON, Nathalia; DAVID, Ivana; ANSELMO, Márcio Adriano. Segurança Pública: Modelos e Evolução. Salvador: Juspodivm, 2022.

 

[4] DAVID, René. Los Grandes Sistemas Jurídicos Contemporáneos. Madrid: Biblioteca Jurídica Aguilar, 1969, p. 104.

 

[5] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003, p. 35/240.


Adriano Sousa Costa é delegado de Polícia Civil de Goiás, autor pela Juspodivm e Impetus, professor da pós-graduação da Verbo Jurídico, MeuCurso e Cers, membro da Academia Goiana de Direito, doutorando em Ciência Política pela UnB e mestre em Ciência Política pela UFG.

Eduardo Fontes é delegado de Polícia Federal; autor pela Juspodivm; professor do CERS; especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pelo Ministério da Justiça; coordenador do IBEROJUR no Brasil; aprovado nos concursos de Procurador do Estado de São Paulo e Delegado de Polícia Civil no Paraná.

Henrique Hoffmann é delegado de Polícia Civil do Paraná; autor pela Juspodivm; professor da Verbo Jurídico, Escola da Magistratura do Paraná e Escola Superior de Polícia Civil do Paraná; mestre em Direito pela UENP; colunista da Rádio Justiça do STF. Foi professor do CERS, TV Justiça do STF, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Secretaria Nacional de Justiça, Escola da Magistratura Mato Grosso, Escola do Ministério Público do Paraná, Escola de Governo de Santa Catarina, Ciclo, Curso Ênfase, CPIuris e Supremo. www.henriquehoffmann.com

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