O denominado Projeto de Lei Anticrime, do ministro da Justiça, Sérgio Moro, traz para discussão legislativa a proposta da previsão em lei do instituto das equipes de investigação conjunta (joint investigation teams), visando aperfeiçoar o combate ao crime organizado.
O referido instituto, que carece há muito tempo de regulamentação no Brasil, constitui uma das modalidades de cooperação policial e jurídica internacional, na medida em que permite que instituições de aplicação da lei de países diferentes realizem o intercâmbio de informações de inteligência policial e, ao mesmo tempo, o intercâmbio de provas da materialidade e autoria da prática de crimes transnacionais.
Trata-se de um mecanismo eficiente e ágil no combate às organizações criminosas mais poderosas, aquelas que detém a especial capacidade de desenvolver suas atividades em mais de um país, em especial utilizando-se do sistema financeiro internacional para a lavagem de dinheiro.
Desde o final do século passado, essas organizações criminais passaram a atuar em redes fluídas, com hierarquia e linha de comando flexíveis, tendo como característica a escolha de jurisdições diversas, visando sempre a prática de determinados atos em determinados países, em razão do tratamento mais complacente da legislação local.
Dessa maneira, é imprescindível que o Estado fomente e adote novas técnicas de investigação e meios de prova para o combate a essa nova criminalidade, em especial no âmbito da cooperação jurídica internacional, visando assim assegurar a todos o direito fundamental à segurança pública, previsto no artigo 6.º, da Constituição Federal, o que só será atingido por meio da adequada e eficiente busca de provas da prática de crimes com efeitos no Brasil e atos no exterior (por exemplo, a manutenção de uma conta bancária em um paraíso fiscal para onde são enviados valores oriundos da corrupção por um agente público brasileiro).
Provando a prática dessa espécie de crime, o Estado brasileiro pode cumprir a sua obrigação de responsabilizar penalmente o criminoso e confiscar/repatriar os valores desviados por ele para o exterior.
Com isso, o Brasil reafirma sua soberania, permitindo a aplicação da sua lei independentemente de onde tenha sido praticada a conduta criminosa, no Brasil ou no exterior, desde que, repita-se, tenha efeitos no Brasil.
Dentro desse contexto, sobressai a constituição das equipes de investigação conjunta, formada por policiais dos países envolvidos pela prática criminosa, como uma das medidas adequadas e eficientes no combate à criminalidade organizada transnacional.
Convém lembrar que sua previsão em tratados multilaterais já existe há muito tempo, como na Convenção contra o Tráfico Internacional e Lavagem de Dinheiro, em Viena (1989), na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, em Palermo (2000), e na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, em Mérida (2003), além de ter sido ela amplamente recomendada para todos os países pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), em suas famosas quarenta recomendações.
De acordo com o projeto ora apresentado, tanto a Polícia Federal, por seus delegados de polícia, como o Ministério Público Federal, por seus membros, poderão firmar acordos com instituições congêneres no exterior, visando constituir equipes conjuntas de investigação para a apuração de crimes de terrorismo, crimes cometidos por organizações criminosas transnacionais ou outros crimes transnacionais.
Em consonância com as cláusulas inerentes do Estado Democrático de Direito, certamente as equipes de investigação conjunta deverão ter o seu objetivo específico e o prazo de sua duração fixados no acordo firmado, além de garantias expressas de que os países envolvidos tenham suas atuações pautadas de modo a respeitar plenamente a soberania do País em cujo território decorra a investigação.
A grande inovação do projeto em nosso ordenamento é permitir que, após a formação das equipes, o compartilhamento ou a transferência das provas produzidas entre elas dispensem o trâmite por meio das autoridades centrais dos países cooperantes, sendo necessária apenas a devida demonstração da cadeia de custódia, a fim de permitir a ampla defesa do investigado, bem como o controle judicial e social sobre a atividade de investigação.
Referida medida importa em uma saudável evolução do estágio atual da cooperação jurídica internacional no Brasil, em especial nas regiões de fronteira, pois confere agilidade e desburocratiza a necessária interação entre as forças de aplicação da lei do Brasil e do exterior, sem que para isso se olvide das garantias do devido processo legal.
*Milton Fornazari Junior, delegado de Polícia Federal. Doutor em Direito Processual Penal e Mestre em Direito Penal (PUC-SP). Autor do livro Cooperação jurídica internacional: auxílio direto penal