Parecer Jurídico – Direito à Integralidade e Paridade de Vencimentos dos Policiais Civis

– Introdução

– Conceitos Básicos Relacionados ao Tema

– Direito à Integralidade e Paridade de Vencimentos dos Policiais Civis

– Alteração na Legislação

– Argumentos Contrários ao Direito à Integralidade e Paridade de Vencimentos dos Policiais Civis

– Jurisprudência

– Conclusão

– Principais Normas que Disciplinam a Matéria Objeto de Estudo deste Trabalho

 

A Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (SINDPESP), Dra. Jacqueline Valadares, formula consulta sobre o direito à integralidade e paridade de vencimentos dos policiais civis.

– Introdução

O Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 23 de junho de 2023, iniciou o julgamento do Tema nº 1.019 da Repercussão Geral, referente ao Recurso Extraordinário nº 1162672, que decidirá, à luz dos arts. 40, §§ 1º, 3º, 4º, 8º e 17, da Constituição Federal, se o servidor público que exerce atividades de risco e preenche os requisitos para a aposentadoria especial tem, independentemente da observância das normas de transição das Emendas Constitucionais nº 41/2003 e nº 47/2005, direito ao cálculo dos proventos com base nas regras da integralidade e da paridade.

O Ministro Relator Dias Toffoli proferiu voto no seguinte sentido: “O servidor público policial civil que preencheu os requisitos para a aposentadoria especial voluntária prevista na LC nº 51/1985 tem direito ao cálculo de seus proventos com base na regra da integralidade e, quando também previsto em lei complementar, na regra da paridade, independentemente do cumprimento das regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC 47/2005, por enquadrar-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à EC 103/2019, atinente ao exercício de atividade de risco. ”

O voto do Relator foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Edson Fachin, André Mendonça, Nunes Marques e Cármen Lúcia.

O Ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos e o julgamento foi suspenso. Ainda não votaram os Ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.

Com o pedido de vista, o Ministro Alexandre de Moraes tem o prazo de 90 dias para proferir o seu voto, se não houver manifestação no citado período, os autos serão devolvidos automaticamente.

– Conceitos Básicos relacionados ao Tema

Inicialmente, é importante estabelecer a definição de Integralidade e Paridade de Vencimentos:

Integralidade é a percepção dos proventos em valor igual à totalidade da remuneração que o servidor recebia, quando no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria.

Em outros termos, a integralidade é o direito que o servidor tem de se aposentar recebendo o mesmo valor que recebia em seu último cargo efetivo.

Por outro lado, paridade é a concessão dos aumentos e reajustes atribuídos aos servidores ativos, também aos proventos de aposentadoria.

Em outras palavras, a paridade é o direito do servidor, quando se aposentar, receber os mesmos aumentos e reajustes que os concedidos aos servidores da ativa.

– Direito à Integralidade e Paridade de Vencimentos dos Policiais Civis

A Previdência Social é um seguro adquirido por meio de uma contribuição mensal que garante ao segurado uma renda no momento em que ele não puder trabalhar, principalmente, a aposentadoria dos servidores.

Regra geral, a Constituição Federal veda a adoção de critérios diferenciados para concessão de benefícios de previdência social.

Entretanto, em alguns casos, em razão da natureza da atividade e das circunstâncias do trabalho exercido pelo servidor, o legislador permitiu a adoção de critérios diferenciados para a concessão de benefícios de previdência social.

Entre os casos de adoção de critérios diferenciados para concessão de benefícios de previdência social, se destaca o direito à aposentadoria especial dos ocupantes do cargo de policial civil, previsto no § 4º-B, do artigo 40, da Constituição Federal.

Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

  • É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º. (grifei)
  • 4º-B. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo ou de policial dos órgãos de que tratam o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a IV do caput do art. 144. (grifei)   

O legislador concedeu o direito à aposentadoria especial aos policiais civis porque esses servidores exercem atividade de risco e em condições insalubres.

De outro lado, o direito à aposentadoria especial dos policiais civis está concretizado na Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, que dispõe sobre a aposentadoria do servidor público policial, nos termos do § 4º, do art. 40, da Constituição Federal.

A Lei Complementar nº 51/1985, com redação atualizada pela Lei Complementar nº 144, de 15 de maio de 2014, concedeu o direito à aposentadoria especial aos policiais civis (reduzindo os limites de tempo de contribuição, serviço e idade), garantindo integralidade de vencimentos, nos seguintes termos:

Art. 1º O servidor público policial será aposentado:

II – voluntariamente, com proventos integrais, independentemente da idade: (grifei)

  1. a) após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se homem;
  2. b) após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher.

É importante consignar que a Lei Complementar nº 51/1985 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Efetivamente, o Tribunal Pleno do STF, no julgamento da ADI nº 3.817/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, concluiu que a Constituição Cidadã recepcionou a Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985 como norma geral, no que diz respeito às referidas regras. Na mesma direção, a Corte fixou a seguinte tese para o Tema nº 26, RE nº 567.110/AC, DJe de 11/4/11: “O inciso I do artigo 1º da Lei complementar nº 51/1985 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988”.

Vale lembrar que a Lei Complementar nº 51/1985, na condição de lei complementar federal de caráter nacional, estabelece as regras gerais no que se refere ao regime de aposentadoria dos policiais civis, consequentemente, seus parâmetros devem ser observados pelos Estados-membros.

No âmbito do Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 1.062, de 13 de novembro de 2008, dispõe sobre requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria voluntária aos policiais civis.

Os artigos 2º e 3º, da Lei Complementar nº 1.062/2008, concederam o direito à aposentadoria especial aos policiais civis, nos seguintes termos:

Artigo 2º – Os policiais civis do Estado de São Paulo serão aposentados voluntariamente, desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I – cinquenta e cinco anos de idade, se homem, e cinquenta anos de idade, se mulher;

II – trinta anos de contribuição previdenciária;

III – vinte anos de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial.

Artigo 3º – Aos policiais que ingressaram na carreira policial civil antes da vigência da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, não será exigido o requisito de idade, sujeitando-se apenas à comprovação do tempo de contribuição previdenciária e do efetivo exercício em atividade estritamente policial, previstos nos incisos II e III do artigo 2º desta lei complementar. (grifei)

No que se refere à paridade de vencimentos dos policiais civis, apesar da ausência de previsão legal, subentende-se que tal benefício está contido na integralidade concedida no inciso II, artigo 1º, da Lei Complementar nº 51/1985. Em outras palavras, significa que a paridade é um reflexo e decorre da integralidade de proventos.

– Alteração na Legislação

O Governo Federal, preocupado com o pagamento das futuras aposentadorias, em razão do aumento do número de servidores inativos, encaminhou ao Congresso Nacional projetos alterando o sistema de previdência social do país.

O Poder Legislativo aprovou sucessivamente as Emendas Constitucionais nºs 20, de 15 de dezembro de 1998; 41, de 19 de dezembro de 2003; 47, de 5 de julho de 2005; e 103, de 12 de novembro de 2019, que modificaram o sistema de previdência social e estabeleceram regras de transição.

Entre as mudanças estabelecidas por tais normas, se destaca a alteração das regras do artigo 40, da Carta Magna, notadamente, no que se refere ao direito à integralidade e paridade de vencimentos. Em apertada síntese, a integralidade foi substituída pelo cálculo dos proventos com base na média das contribuições e a paridade substituída pela garantia do reajuste dos vencimentos para preservar o valor da remuneração.

– Argumentos Contrários ao Direito à Integralidade e Paridade de Vencimentos dos Policiais Civis

A São Paulo Previdência (SPPREV), unidade gestora responsável por administrar a folha de pagamento das pensões e aposentadorias da administração direta e indireta do Estado de São Paulo, com fundamentos nas mencionadas alterações, contesta o direito à integralidade e paridade de vencimentos dos policiais civis, alegando que com a edição das Emendas Constitucionais nºs 41/2003 e 47/2005, o servidor público de cargo efetivo deixou de ter direito a tais benefícios.

– Jurisprudência

Contudo, os Tribunais Superiores não têm acolhido a tese defendida pela SPPREV, entre outros motivos, porque no corpo das Emendas Constitucionais nºs 41/2003 e 47/2905, foram estabelecidas regras de transição que, quando observadas, possibilitavam que os servidores que já haviam ingressado no serviço público até certa data gozassem da integralidade e da paridade.

Neste sentido, a Suprema Corte julgou o Tema nº 139 da Repercussão Geral, assentando que os servidores que ingressaram no serviço público antes da EC nº 41/2003, mas se aposentaram após essa emenda, possuem direito à paridade e à integralidade, desde que observadas as regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC nº 47/2005.

De igual forma, o Parecer nº 00004/2020/CONSUNIAO/CGU /AGU, em que se tratou do regime a ser aplicado às aposentadorias dos policiais civis da União, com enfoque naqueles expressamente mencionados no art. 5º da EC nº 103/19 (policiais dos órgãos a que se referem o inciso XIV do caput do art. 21, o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a III do caput do art. 144, todos da Constituição Federal).

– Conclusão

À vista de todo o exposto e do voto proferido pelo Ministro Relator Dias Toffoli, conclui-se que:

  • O policial civil que preencheu os requisitos para a aposentadoria especial voluntária prevista na LC nº 51/1985 tem direito ao cálculo de seus proventos com base na regra da integralidade, independentemente do cumprimento das regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC 47/2005, por enquadrar-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal;

 

  • O critério etário não pode ser exigido para a aposentadoria com integralidade, aos policiais civis que cumpriram os requisitos temporais da Lei Complementar nº 51/1985 e que ingressaram no serviço público antes de 2003, ou seja, nestes casos não se aplicam as regras de transição da EC 47/2005 que impunha idade como requisito;

 

 

  • O Ministro Relator Dias Toffoli, divergindo da tese de que a paridade está contida na integralidade concedida no inciso II, artigo 1º, da Lei Complementar nº 51/1985, entende que “o direito à paridade, no âmbito da aposentadoria especial voluntária em questão, precisa estar previsto em lei complementar da unidade federada à qual pertence o servidor policial civil (ante a compreensão de que a LC nº 51/85 garantiu, como norma geral, apenas a integralidade, deixando espaço para as unidades federadas tratarem da concessão ou não da paridade”;

 

  • Se prevalecer o entendimento do Ministro Dias Toffoli, a paridade dos vencimentos dos policiais civis paulistas dependerá da aprovação de uma Lei Complementar Estadual, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, assegurando tal direito;

 

  • O julgamento do STF se restringe ao direito à integralidade e paridade de vencimentos dos policiais civis que ingressaram no serviço público antes da EC 41/2003; e

 

  • Eventual julgamento desfavorável ao direito à integralidade e paridade de vencimentos repercute no tempo e, portanto, pode prejudicar os policias civis que já estão aposentados, ante a possibilidade da decisão do STF retroagir e alcançar situações já consolidadas.

Entretanto, independentemente dessas conclusões, é importante aguardar o teor do acórdão que será proferido após a apresentação de todos os votos, para avaliar o impacto e os reflexos desta relevante decisão no direito à integralidade e paridade de vencimentos dos policiais civis.

Este é o Parecer sobre a questão submetida à apreciação da Assessoria Jurídica Institucional do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (SINDPESP).

São Paulo, 03 de julho de 2023.

 

MÁRIO LEITE DE BARROS FILHO

Assessor Jurídico do SINDPESP

 

– Principais Normas que Disciplinam a Matéria Objeto de Estudo deste Trabalho

– Constituição Federal

– § 4º, artigo 44, da Constituição Federal;

 

– Leis no Âmbito Federal

– Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, que dispõe sobre a aposentadoria do servidor público policial, nos termos do § 4º, do art. 40, da Constituição Federal;

– Lei Complementar nº 144, de 15 de maio de 2014, que atualiza a ementa e altera o art. 1º da Lei Complementar no 51, de 20 de dezembro de 1985, que “Dispõe sobre a aposentadoria do funcionário policial, nos termos do art. 103, da Constituição Federal”, para regulamentar a aposentadoria da mulher servidora policial;

– Leis no Âmbito Estadual

– Lei Complementar nº 1.062, de 13 de novembro de 2008, que dispõe sobre requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria voluntária aos policiais civis do Estado de São Paulo.

– Lei Complementar nº 1.354, de 06 de março de 2020, que dispõe sobre as aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos ocupantes de cargo de provimento efetivo, nos termos do artigo 126 da Constituição do Estado de São Paulo, e dá outras providências;

– Emendas

– Emenda Constitucional nº 20/1998, que modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências;

– Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que modifica os arts. 37, 40, 42, 48, 96, 149 e 201 da Constituição Federal, revoga o inciso IX do § 3 do art. 142 da Constituição Federal e dispositivos da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras providências;

– Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, que altera os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, para dispor sobre a previdência social, e dá outras providências; e

– Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, que altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias.

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